Evaporação de água em pequenas barragens

Lineu Nei­va Rodrigues, pesquisador da Embra­pa Cerrados

Daniel Althoff, bol­sista de pós-grad­u­ação da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Viçosa

Pequenos reser­vatórios de água ou bar­ra­gens desem­pen­ham um papel fun­da­men­tal no desen­volvi­men­to agrí­co­la da região do Cer­ra­do brasileiro, con­tribuin­do para garan­tir a disponi­bil­i­dade hídri­ca durante perío­dos de escassez. No entan­to, o impacto cau­sa­do por essas estru­turas no sis­tema hídri­co pre­cisa ser mais bem quan­tifi­ca­do e con­sid­er­a­do nos planos de recur­sos hídricos.

As impli­cações de mudanças climáti­cas no ciclo hidrológi­co podem tornar necessárias alter­ações nas atu­ais políti­cas de geren­ci­a­men­to de recur­sos hídri­cos. Nesse con­tex­to, mere­cem atenção espe­cial os pequenos reser­vatórios de armazena­men­to de água, que são estru­turas impor­tantes para adap­tação às mudanças climáticas.

Nas últi­mas décadas, cen­te­nas de pequenos reser­vatórios foram con­struí­dos no Cer­ra­do com a final­i­dade de armazenar água nos perío­dos de chu­va e disponi­bi­lizá-la local­mente para usos domés­ti­cos e agropecuários no perío­do de esti­agem. Para regiões como a bacia do Rio Pre­to, respon­sáv­el por cer­ca de 80% de toda a pro­dução agrí­co­la do Dis­tri­to Fed­er­al, os reser­vatórios apre­sen­tam papel fun­da­men­tal no fornec­i­men­to seguro e con­tín­uo de água, prin­ci­pal­mente para fins de irri­gação.

As alter­ações esper­adas em var­iáveis climáti­cas como pre­cip­i­tação (chu­vas) e tem­per­atu­ra poderão resul­tar em mudanças no regime hidrológi­co e, con­se­quente­mente, na for­ma como os reser­vatórios devem ser mane­ja­dos. Emb­o­ra diver­sos tra­bal­hos cien­tí­fi­cos relatem os poten­ci­ais impactos das mudanças climáti­cas na oper­ação de grandes reser­vatórios, estu­dos em pequenos reser­vatórios ain­da são escas­sos e prati­ca­mente inex­is­tentes para a região do Cerrado.

Ape­sar da relevân­cia estratég­i­ca dessas estru­turas, os impactos ambi­en­tais cau­sa­dos prin­ci­pal­mente por reser­vatórios mal dimen­sion­a­dos têm difi­cul­ta­do a con­strução de novas bar­ra­gens na região. Os prob­le­mas de dimen­sion­a­men­to se devem, em sua maior parte, à fal­ta de infor­mação. Por­tan­to, é cada vez mais impor­tante ger­ar infor­mações que sub­si­diem a alo­cação e a con­strução de novos reser­vatórios no Cer­ra­do. Para isso, é cru­cial com­preen­der mel­hor o com­por­ta­men­to das difer­entes var­iáveis que inter­fer­em na dinâmi­ca de água de um pequeno reser­vatório, espe­cial­mente a evaporação.

O lev­an­ta­men­to de esti­ma­ti­vas de per­das por evap­o­ração é pri­mor­dial para o desen­volvi­men­to de estraté­gias e políti­cas efi­cientes de gestão de recur­sos hídri­cos. Além dis­so, essas esti­ma­ti­vas para áreas rurais remo­tas, ain­da pre­dom­i­nantes na região do Cer­ra­do e que con­tam com pou­cas infor­mações, são de espe­cial inter­esse para hidról­o­gos e meteorologistas.

A evap­o­ração rep­re­sen­ta uma per­da efe­ti­va de água do sis­tema hidrológi­co que não deve ser neg­li­gen­ci­a­da, já que é um dos prin­ci­pais con­sti­tu­intes do bal­anço hídri­co de reser­vatórios sob difer­entes regimes climáti­cos. As per­das afe­tam dire­ta­mente a efi­ciên­cia de armazena­men­to do reser­vatório, o uso pro­du­ti­vo de água, a econo­mia e a qual­i­dade de vida das pes­soas. O proces­so de evap­o­ração se tor­na ain­da mais impor­tante quan­do se con­sid­er­am os efeitos de mudanças climáti­cas, com o aumen­to da tem­per­atu­ra ameaçan­do reduzir a disponi­bil­i­dade hídri­ca, levan­do-se em con­ta espe­cial­mente o armazena­men­to super­fi­cial de reservatórios.

Obter esti­ma­ti­vas de per­das por evap­o­ração mais pre­cisas é, por­tan­to, essen­cial. Con­tu­do, a quan­tifi­cação mais rep­re­sen­ta­ti­va dessa var­iáv­el para pequenos reser­vatórios é um grande desafio, uma vez que a vari­abil­i­dade da tem­per­atu­ra e da pressão de vapor do ar próx­i­mo às mar­gens pode diferir con­sid­er­av­el­mente das condições inter­nas do reser­vatório e influ­en­ciar a mag­ni­tude da evap­o­ração real.

Os efeitos da evap­o­ração são geral­mente con­sid­er­a­dos durante o pro­je­to e geren­ci­a­men­to de reser­vatórios, porém há uma grande incerteza asso­ci­a­da aos val­ores atual­mente ado­ta­dos pelos gestores, uma vez que poucos estu­dos foram con­duzi­dos na região para deter­mi­nar a mag­ni­tude da evap­o­ração. Daí a relevân­cia da obtenção de esti­ma­ti­vas mais pre­cisas dessa var­iáv­el, uma vez que isso afe­ta o dimen­sion­a­men­to e a oper­ação dos reservatórios.

Diver­sas pesquisas em difer­entes regiões do mun­do foram real­izadas visan­do obter esti­ma­ti­vas ou apri­morar méto­dos de esti­ma­ti­vas de evap­o­ração de água em reser­vatórios. No entan­to, ape­sar da importân­cia para o plane­ja­men­to e a gestão de recur­sos hídri­cos, não se tem con­hec­i­men­to de estu­dos bus­can­do esti­mar a evap­o­ração de água em pequenos reser­vatórios para as condições de Cer­ra­do brasileiro.

Ape­sar da existên­cia de uma grande diver­si­dade de mod­e­los para esti­ma­ti­va de evap­o­ração, a carên­cia de dados requeri­dos por alguns dess­es mod­e­los tem difi­cul­ta­do a uti­liza­ção em difer­entes regiões do Cer­ra­do brasileiro, sendo con­ve­niente avaliar out­ras téc­ni­cas con­heci­das pelos profis­sion­ais da área de recur­sos hídri­cos, como as de apren­diza­gem de máquina, tais como redes neu­rais arti­fi­ci­ais, máquinas de vetores suporte e árvores de regressão, usadas com suces­so na mod­e­lagem de evap­o­ração, mes­mo a par­tir de um número lim­i­ta­do de variáveis.

Em decor­rên­cia de questões ambi­en­tais e de segu­rança hídri­ca e con­sideran­do a importân­cia das peque­nas bar­ra­gens para o desen­volvi­men­to econômi­co da região do Cer­ra­do brasileiro, é cru­cial que os novos reser­vatórios sejam alo­ca­dos, con­struí­dos e geren­ci­a­dos de for­ma ade­qua­da. Assim, é fun­da­men­tal ger­ar infor­mações mais rep­re­sen­ta­ti­vas da evap­o­ração, o que impli­ca, entre out­ras ações, avaliar o desem­pen­ho de méto­dos de simulação.

Uma das ini­cia­ti­vas nesse sen­ti­do é o estu­do desen­volvi­do pela Embra­pa em parce­ria com a Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Viçosa (UFV) com os obje­tivos de avaliar o desem­pen­ho de méto­dos de esti­ma­ti­va da evap­o­ração em pequenos reser­vatórios na região do Cer­ra­do brasileiro; apri­morar méto­dos para esti­ma­ti­va da evap­o­ração em pequenos reser­vatórios de armazena­men­to de água local­iza­dos na região do cer­ra­do brasileiro; e avaliar o impacto das mudanças climáti­cas na evap­o­ração de água em peque­nas reser­vatórios local­iza­dos no Cer­ra­do brasileiro.

Os resul­ta­dos obti­dos indicaram que no iní­cio do perío­do seco, logo após um perío­do chu­voso com chu­vas aci­ma da média, os pequenos reser­vatórios da bacia do Rio Pre­to encon­tram-se na capaci­dade máx­i­ma de armazena­men­to, equiv­al­en­do a aprox­i­mada­mente 16,1 mil­hões de m³. Desprezan­do-se todas as entradas e saí­das de água nos reser­vatórios, com exceção da evap­o­ração, obser­vou-se que no fim do perío­do seco (30/09), para o perío­do de 1961 a 2005 (perío­do históri­co), a disponi­bil­i­dade de água armazena­da nos reser­vatórios rep­re­sen­ta­va 65,2% da capaci­dade total de armazena­men­to. Fazen­do-se a mes­ma análise para o perío­do de 2007 a 2040, con­sideran­do um cenário de emis­são de gas­es otimista, a disponi­bil­i­dade ness­es reser­vatórios foi esti­ma­da em 63,3%, e em 62,7% num cenário pessimista.

Com base nesse resul­ta­do e con­sideran­do um reser­vatório com vol­ume igual a 60.000 m³ e área de espel­ho de água igual a 6 hectares, se levar­mos em con­ta a situ­ação no perío­do de 2007 a 2040, em um cenário otimista, a evap­o­ração prováv­el a 60% de prob­a­bil­i­dade, para o mês de maio, seria igual a 3,44 mm/dia, o que rep­re­sen­taria um vol­ume evap­o­ra­do de 206,4 m³. Caso o espel­ho de água desse reser­vatório fos­se igual a 4 hectares, o vol­ume evap­o­ra­do seria 137,6 m³, ou seja, 33% menor.

Ain­da con­sideran­do um reser­vatório de 6 hectares de espel­ho de água e o mes­mo mês, perío­do e prob­a­bil­i­dade, mas ago­ra num cenário pes­simista, espera-se uma evap­o­ração de 3,55 mm/dia, equiv­a­lente a um vol­ume de 213,0 m³. Já para o perío­do de 2071 a 2100, a evap­o­ração prováv­el a 60% de prob­a­bil­i­dade equiv­alerá a 208,8 m³, para o cenário otimista, e 228,6 m³, no pessimista.

Ess­es resul­ta­dos reforçam a importân­cia da cor­re­ta escol­ha do local para a con­strução de novos reser­vatórios. Essa decisão terá impacto dire­ta­mente na via­bil­i­dade do reser­vatório em armazenar água, sendo deci­si­vo na gestão dessas estru­turas. O local onde o reser­vatório é insta­l­a­do tem influên­cia dire­ta na relação entre o taman­ho do espel­ho de água e a capaci­dade total de armazena­men­to de água do reser­vatório, que influ­en­ci­am na quan­ti­dade de água evaporada.

Mais infor­mações sobre o estu­do da Embra­pa e da UFV podem ser obti­das nos seguintes arti­gos científicos:

ALTHOFF, DANIEL; RODRIGUES, LINEU NEIVA; DA SILVA, DEMETRIUS DAVID; BAZAME, HELIZANI COUTO. Improv­ing meth­ods for esti­mat­ing small reser­voir evap­o­ra­tion in the Brazil­ian Savan­na. AGRICULTURAL WATER MANAGEMENT, v. 216, p. 105–112, 2019 (https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0378377418312836).

ALTHOFF, DANIEL; RODRIGUES, LINEU NEIVA; DA SILVA, DEMETRIUS DAVID. Eval­u­at­ing Evap­o­ra­tion Meth­ods for Esti­mat­ing Small Reser­voir Water Sur­face Evap­o­ra­tion in the Brazil­ian Savan­nah. Water, v. 11, p. 1942–1959, 2019. (https://www.mdpi.com/2073–4441/11/9/1942)

ALTHOFF, DANIEL; RODRIGUES, LINEU NEIVA; DA SILVA, DEMETRIUS DAVID. Impacts of cli­mate change on the evap­o­ra­tion and avail­abil­i­ty of water in small reser­voirs in the Brazil­ian savan­nah. CLIMATIC CHANGE, v. 1, p. 1–18, 2020. (https://link.springer.com/article/10.1007/s10584-020–02656‑y)

ALTHOFF, DANIEL; FILGUEIRAS, ROBERTO; RODRIGUES, LINEU NEIVA. (https://ascelibrary.org/doi/10.1061/%28ASCE%29HE.1943–5584.0001976). JOURNAL OF HYDROLOGIC ENGINEERING, v. 25, p. 05020019, 2020.

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Fonte: www.embrapa.br

4 Comments
  1. […] Usan­do água de irri­gação de uma das peque­nas repre­sas, Mal cul­ti­va cebo­las, tri­go e out­ras safras em seu ter­reno de 16 hectares e diz que viu sua ren­da aumen­tar mais de 60 por cen­to. “Nun­ca me ocor­reu que pudesse, em min­ha vida, gan­har uma quan­tia con­sid­eráv­el com meus cam­pos, mas este reser­vatório tornou tudo isso pos­sív­el”, disse Mal, 59. […]

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